(Publicado originalmente em espanhol, no 29 de abril, em The Oil Crash. Tradução de Cláudia Salgueiro.)
Caros leitores:
Agora que tenho eletricidade e internet (e que já acabei de responder a muitos jornalistas; se não estou equivocado, dei 24 entrevistas — e estou afónico[1]), posso inaugurar o que será provavelmente uma nova série de posts no meu blogue, tendo em conta os tempos que vivemos: os posts de emergência, desencadeados por algum acontecimento importante. Posts curtos que vão ao cerne da situação.
No caso do post de hoje, vou falar sobre o apagão que afectou Espanha, Portugal e o sul de França no dia 28 de abril de 2025.
O incidente
Às 12:33 ocorreu o incidente. De acordo com a informação dada pelo Primeiro-Ministro espanhol, Pedro Sánchez, em 5 segundos a potência gerada caiu 15 GW, o equivalente a 60% do que estava a ser produzido nesse momento. Isto levou a um apagão imediato em toda a Península Ibérica. Felizmente, manteve-se uma produção de cerca de 10 GW e, com isso e com a ajuda de importações maciças de eletricidade de França e Marrocos, foi possível restabelecer progressivamente a rede, sendo que, nas primeiras horas da manhã de 29 de abril, o fornecimento na maior parte do território espanhol peninsular tinha sido restabelecido, embora o sinal elétrico fosse ainda um pouco instável nesse momento. O restabelecimento dos sistemas a um ponto semelhante ao anterior levará ainda vários dias. Os principais sistemas estão gravemente afectados, como por exemplo a rede ferroviária. As centrais nucleares permanecem, neste momento, paradas.
Explicações iniciais
Durante as primeiras horas, foram dadas inúmeras explicações sobre a causa deste apagão maciço e inédito. Especulou-se que se tratava de um ciberataque, ou que se devia a um fenómeno atmosférico invulgar, ou que um incidente na linha de interconexão com França tinha causado os problemas. Com o passar das horas, tornou-se claro que nada disso tinha acontecido. Até à data, ainda não foi dada qualquer explicação oficial sobre a causa do problema. O que, compreensivelmente, preocupa os cidadãos, que se interrogam sobre a possibilidade de esta situação se repetir num futuro próximo.
O que aconteceu
A certa altura, algumas sub-redes não conseguem suportar a sobretensão e desligam-se para evitar danos. Isto aumenta a tensão nas restantes sub-redes e, no final, uma grande parte da produção fotovoltaica acaba por cair, em cascata. Ao mesmo tempo, a energia nuclear, que também é inflexível, não consegue adaptar-se e as centrais entram em paragem de emergência, pelo que se perdem 2 GW de energia adicional.
Esta situação não tem nada de excecional. É um problema que se repete na Europa há anos e que esteve na origem de incidentes graves, como o de 8 de janeiro de 2021.
O problema subjacente é a integração de grandes volumes de produção renovável na rede de alta tensão sem os acompanhar dos necessários (e, desde as alterações regulamentares de 2022, obrigatórios) sistemas de estabilização de corrente. Este é um tema bem conhecido e amplamente discutido.
Enquanto a quantidade de energia renovável integrada na rede fosse minoritária, não havia problema, uma vez que as restantes fontes presentes no mix eram responsáveis pela manutenção da estabilidade. O problema é que, em dias como o de ontem, no momento do incidente, as energias renováveis representavam 80% do total da eletricidade produzida na Espanha.
Os sistemas de produção eólica e fotovoltaica carecem de flexibilidade. Os sistemas tradicionais, por serem inerciais, oferecem alguma facilidade inerente de adaptação às mudanças na procura. Mas não é esse o caso das novas energias renováveis. O mesmo acontece com o nuclear, que não tem capacidade de reação e, portanto, cai exatamente da mesma forma que as energias renováveis.
Porque é que isto aconteceu
Convém sublinhar aqui que o problema não são os sistemas de produção renováveis. O problema é o modelo de implementação imposto pelas grandes empresas, que estão mais preocupadas com os seus lucros do que com o bem comum. É absolutamente necessário avançar na produção de energia eléctrica renovável por muitas razões (ambientais, escassez de combustíveis fósseis…), mas não pode ser feito de qualquer maneira. Utilizo o exemplo de um vendedor que quer vender um carro sem travões. O carro é intrinsecamente perigoso? Não, mas não pode ser vendido sem travões. Pela mesma razão, as energias renováveis devem ser acompanhadas de sistemas de estabilização. Não o fazer é uma grande irresponsabilidade. Mas, por uma questão de redução de custos, é isso que as grandes empresas fazem há anos.
Na ausência de sistemas de estabilização, a situação de instabilidade poderia ter sido resolvida se, nos primeiros sinais (por volta das 12:00, talvez até mais cedo), tivesse sido aumentada a produção dos sistemas de despacho rápido, ou seja, a produção hidroelétrica e de ciclo combinado a gás natural. Mas, na altura do incidente, os ciclos combinados representavam apenas 3% do total. Insuficiente para absorver as flutuações e trazer estabilidade ao mix. Pior ainda, na altura do incidente, muitas centrais de ciclo combinado a gás estavam em paragem a frio e o seu reinício demorava horas. Consequentemente, foi necessário muito mais tempo para restabelecer a rede eléctrica. A razão pela qual não havia centrais de gás de ciclo combinado disponíveis para proporcionar estabilidade é que, atualmente, o preço da eletricidade tem sido zero ou mesmo negativo, o que motivou os proprietários das centrais a encerrá-las, sem se preocuparem com a segurança do sistema. É incompreensível que algo assim possa acontecer, e que o regulador o permita, mas é assim que as coisas são. A propósito, isto não é nada de novo, como explicámos no ano passado.
Portanto, o problema fundamental foi o facto de as empresas terem posto os seus lucros à frente da estabilidade do sistema. Ao mesmo tempo, o regulador não as pôde obrigar, por qualquer razão, a estarem disponíveis. Isto contextualiza as recentes declarações de Pedro Sánchez, dirigidas aos operadores do sistema elétrico.
Voltará a acontecer?
Portanto: não, não é previsível um novo apagão geral a curto prazo. O que vai acontecer, no entanto, é que o preço da eletricidade vai disparar, devido ao aumento do consumo de gás, o que levará a um aumento do preço do gás e, consequentemente, do preço da eletricidade. Já para não falar dos danos causados, alguns dos quais serão certamente muito importantes.
Quais são as lições a tirar?
Que temos de investir na estabilidade (que é muito cara) e que temos de manter centrais eléctricas de reserva (que são caras e emitem CO2). A longo prazo, o consumo terá provavelmente de ser reduzido para ser ajustado a algo sustentável.
Isto podia ter sido previsto?
O que é que querem que eu diga? 😉

Notas do editor
[1] Na altura de publicarmos esta tradução ao português são já máis de 50 as entrevistas feitas por Turiel sobre o Grande Apagão Ibérico. Podem consultar algumas em:
- 3Cat TV: Tot es mou – Antonio Turiel: “No hi ha sistemes d’estabilització a la xarxa, que haurien evitat l’apagada. És un tema de diners”.
- TVE (País Basco): Entrevista com Antonio Turiel (Fonte original).
- Economía directa (podcast): Los responsables del gran apagón.
- Naiz: «No hubo ataque exterior, el apagón es producto de la codicia de las grandes eléctricas».
- Publico.es: Antonio Turiel, el experto que predijo el apagón: “Fue una irresponsabilidad criminal por parte de las grandes compañías”.
- El Independiente: Antonio Turiel, el hombre que predijo la DANA y el apagón: “Hay que estabilizar la red, pero cuesta dinero y no se ha hecho”.
- Onda Vasca (radio): Antonio Turiel: “El apagón se ha debido a que se ha integrado mucha energía renovable sin unos sistemas de estabilización adecuados”.
- Diario de Cádiz: Antonio Turiel, sobre el ‘gran apagón’: “Llevamos mucho en el alambre, hace tiempo que las redes son inestables”.
- 20 Minutos: Antonio Turiel, científico del CSIC, sobre el momento del apagón masivo en España: “Ya antes se observaban fluctuaciones peligrosas”.
- El Diario Vasco: Antonio Turiel, investigador del CSIC: «El problema ha sido meter renovables de manera descontrolada, tipo low cost».
- Onda Cero (radio): Antonio Turiel, experto en energía del CSIC: “Media hora antes del apagón ya había signos de alarma que indicaban que había que tomar medidas”.
- Cuatro TV: El apagón se produjo por un desajuste entre la oferta y la demanda de energía: así lo explican los expertos.
- Antena 3 TV: Antonio Turiel, científico del CSIC, sobre el apagón: “Se observan problemas media hora antes y no se es capaz de dar respuesta”.