(Previamente publicado no Jornal Expresso.)
O planeta está à beira de entrar em roda livre, com a circulação do Atlântico Norte em risco e com mais um exemplo da guerra climática no estado brasileiro do Rio Grande do Sul, uma área maior do que o Reino Unido, debaixo de água. As perdas de colheitas de arroz, batatas e soja, entre outras, levaram a uma subida de preços da comida, acompanhando a crise de custo de vida generalizada enquanto são criados mais bilionários do que nunca. Estes factos já nem sequer são negados, mas normalizados e desligados da sua origem: a queima de combustíveis fósseis cujo aumento continua a ser promovido em todo o mundo. Por quem? Pelos decisores políticos e económicos.
Este é o ano em que vemos uma grande ascensão da extrema-direita, cujo programa já é transversal em quase todo o establishment político —sobre migrações, sobre ódio à diferença, sobre guerra e militarismo, sobre o apoio ao massacre na Palestina, sobre o rumo determinado em avançar para o colapso climático. Estes fenómenos estão todos relacionados uns com os outros, são o plano de batalha final do capitalismo contra a sociedade e o planeta. Separá-los entre si é não compreender os cenários de futuro que a crise climática implica. Até este momento o programa de extrema-direita está a ganhar de forma total, embora saibamos que essa vitória significa o colapso da civilização.
O aplauso à construção de um novo aeroporto de Lisboa e expansão do velho é apenas mais uma evidência. Portugal, como o continente europeu, precisa de cortar radicalmente emissões de gases com efeito de estufa e preparar-se para um clima e um território muito diferentes do que aqueles que existem hoje. Em vez disso, governantes e empresas lançam novos projetos para aumentar as emissões. Mesmo perante a degradação climática aprovam mais projetos de morte, como a construção de mais pontes e estradas num país que já tem uma cobertura de mais de 16 mil kilómetros de estradas contra perto de 3 mil de ferrovia. A medida do apuro em que estamos a nível nacional é representada no inacreditável acordo político sobre isto, em que nenhum partido se opõe à construção de um novo aeroporto. Isto dá-nos uma imagem clara da divisão entre a maioria absoluta da representação política e a resposta à crise climática, a maior crise da história da Humanidade.
O projeto do aeroporto de Lisboa, como outras fábricas de morte que operam por essa Europa fora, terá de ser travado. Todas as respostas dizem que terá de acontecer sem o apoio da esquerda institucional.
Na Europa, o anúncio desesperado de tentar constituir uma espécie de linha vermelha à extrema-direita por parte do centrão europeu com o apoio da esquerda não passa disso: desespero. A extrema-direita não será isolada por parte da direita europeia, ou sequer pelo centro, diga o que disser. O Partido Popular Europeu já integrou amplamente as medidas essenciais dos dois grupos de extrema-direita ECR e ID. Desenhar a trincheira política dos nossos tempos na definição do que é a extrema-direita é garantir a derrota, até porque as movimentações à extrema-direita podem levar à criação de novos grupos políticos.
Mas Socialistas Democratas no Parlamento Europeu apoiam a política migratória de extrema-direita. Verdes e Social-Democratas alemães (e tantos outros) apoiam a remilitarização da Europa e a criação de Forças Armadas Europeias. O establishment de Bruxelas aplaude a chacina em Gaza. O programa de capitalismo pintado de verde aprofunda a crise climática e ambiental e é apoiado por todo o centrão. Mas o acordo sobre não romper com o capitalismo é muito mais forte. Que espécie de linha vermelhas espera a esquerda conseguir aliando-se com quem, para travar a extrema-direita, lhe adopta o programa quase todo? Que espécie de alternativa espera construir ao aceitar uma linha que desenha uma aliança que inclui o colapso climático? Que alternativa é, quando esta aliança é muito maior do que a aliança pelo autoritarismo, incluindo a quase totalidade do espectro político que se apresenta a eleições no próximo dia 9 de Junho?
As sondagens europeias deixam poucas dúvidas sobre o resultado: bem-vindas a uma Europa cuja representação política será maioritariamente negacionista climática, maioritariamente racista, sexista, anti-LGBT, militarista e autoritária. Que haja uma maioria compreendida por EPP, ECR, ID e as extremas-direitas do AfD alemão e do Fidesz húngaro, em que Liberais, S&D e Verdes se somem pontual ou permanentemente à aliança reacionária é conjuntural.
Mas há algo estrutural: a questão política central não só deste ano, como desta década e da história da Humanidade é sobre a capacidade política para travar a guerra que o capitalismo declarou contra a sociedade? A resposta que recebemos atualmente da esquerda institucional é que não. O que deixa claro que esta guerra terá de ser travada por uma política popular nas ruas.