Rede de Futuros Indígenas
A rede de Futuros Indígenas nasce en 2021, vinda do laboratório de narrativas entitulado “Hackear la Crisis Climática: el futuro es indígena”, organizado por Ambulante, British Council e Hackeo Cultural. Durante este processo, comunicadoras e defensoras do território juntaram esforços para fortalecer as suas resistências a partir da comunicação comunitária; com uma perspetiva crítica, aprenderam ferramentas de análise do discurso, mapeamento de redes, imaginação narrativa e hacking cultural.
Como povos indígenas encontramo-nos entre os que menos temos contribuído para o problema das alterações climáticas, os que oferecemos mais contributos eco-sistémicos na luta contra os seus efeitos e, no entanto, somos aqueles que sofrem as piores consequências.
A conversa sobre esta crise planetária invisibiliza as nossas vozes, os nossos saberes e as nossas esperanças. Por isso, desde as nossas diversidades e diferentes geografias, nos organizamos para hackear as narrativas sobre a crise climática.
Chamamos à cura da terra, defesa da vida e do território. Perante esta emergência, achamos necessário nomear a crise das nossas línguas e cosmovisões, dialogar com as nossas comunidades, mas também tornar visível a responsabilidade que todas, todos e todes temos para semear os futuros.
Manifesto Futuros Indígenas: Em tempos de crise climática, o futuro é um território a defender
(Publicado originalmente em FuturosIndigenas.org.)
Em meio a esta seca eleitoral, nasce uma rede de resistências narrativas. Diante da crise climática que põe em risco nosso futuro no planeta, que põe em risco nossas vidas e territórios, representantes de mais de vinte povos indígenas organizamo-nos para fazer frente a esta emergência. Para reflorestar as mentes, para indigenizar os corações.
Defendemos o território, nosso modo de ser e existir, unimos esforços e corações através de ações de comunicação e criação de narrativas em defesa da vida. Kiliwa, Cucapá, Nahua, Acolhua, Tzeltal, Tzotzil, Ñu Savi, Hñatho, Amuzga, Purépecha, Ayuuk, Afrodescendente, Zapoteca, Popoluca, Maya, K’iche’, Wayuu, Zoque nós nos nomeamos e germinamos como #FuturosIndígenas.
Em tempos de extermínio, ecocídio e genocídio
Em tempos de extermínio, ecocídio e genocídio; pandemias, saques, secas extremas, incêndios massivos, contaminação do ar, guerras por água, fomes regionais, comunidades deslocadas pelas catástrofes climáticas, destruição dos ecossistemas, extinção massiva de espécies, em tempos de morte imposta, nós nos organizamos.
As vozes dos povos que há milhares de anos temos defendido a vida na terra, temos uma esperança para compartilhar: as alternativas à crise climática já existem, estão vivas.
Os povos indígenas preservamos e procuramos a diversidade linguística, cultural, espiritual e 80% da biodiversidade restante do planeta. Em nossos territórios, nas práticas de respeito e reciprocidade com a Mãe Terra, seguimos pulsando os futuros, mas estão nos exterminando.
A crise é a consequência
A catástrofe climática que hoje ameaça o planeta inteiro é sintoma de uma doença que chegou há mais de 500 anos aos nossos territórios. É a colonização que massacrou dezenas de milhões de ancestrais nesta e em outras geografias. São os Estados-Nação que parcelaram a terra, impuseram fronteiras e tratam de extinguir nossas diversidades. É o racismo e patriarcado que (a)os corpos de cor da terra nos assassinam, marginalizam, oprimem e empobrecem. É o capitalismo que coloca o dinheiro acima da vida: esse vazio de espírito que nos faz crer que a acumulação pode crescer de maneira infinita em um planeta finito.
A catástrofe do progresso, do desenvolvimento e sua geopolítica chega a nossas comunidades e povos em formas de mineração, monoculturas, megaprojetos, trens e hotéis, refrigerantes, hidrelétricas, cidades verticais, religiões impostas, comida sem qualidade nutricional, lixo eleitoral. Inclusive, chegam como promessas de redução do aquecimento global e soluções tecnológicas que querem nos receitar a mesma doença como medicina.
Sabemos que a crise climática é uma consequência dos sistemas de desigualdade estrutural que governam o mundo hoje.
Estudos recentes mostram que 92% dos excedentes de emissões de gases de efeito estufa por pessoa estão concentrados nos países ricos e em seu modelo insustentável de consumo. São necessários 5 planetas Terra se a humanidade aspira ao consumismo do estadunidense médio, mas se a aspiração de vida fosse a de uma pessoa indígena, estaríamos dentro dos limites planetários. O que isso nos diz sobre o futuro?
Nós não propomos um retorno ao passado. Não romantizamos a precariedade. Não negamos a existência de ninguém. Não pedimos desculpas. Convocamos a assumir a responsabilidade de parar essa máquina de extermínio.
Sabemos que a crise climática é uma consequência dos sistemas de desigualdade estrutural que governam o mundo hoje.
Cura da terra
Nós chamamos a cura da terra de defesa da vida e do território. Nós a nomeamos de gestão comunitária da água e energia, autonomias territoriais, governos indígenas, resgate da diversidade linguística, defesa de nossa identidade, busca de memória e justiça, migrar sem fronteiras, semear a milpa (cultivo do milho), retornar aos tempos cíclicos, honrar os saberes das avós e dos avôs, defender o futuro das gerações que virão, praticar outras formas de espiritualidade, organizar festivais no bairro e na comunidade. Seguir (re)existindo.
Há água, alimentos e terra suficientes para que todas as pessoas e vidas existam dignamente neste território chamado México, nesta casa comum chamada Terra. Podemos regenerar os sistemas de vida aos quais nosso futuro está vinculado. Mas a mudança deve ser da raiz. Porque depois de cada crise não queremos voltar à normalidade, queremos voltar à terra.
Em tempos de crise climática,
o futuro é um território a defender.
#FuturosIndígenas
Abya Yala, junho 2021