(Publicado originalmente em Resilience.org. Traduzido com permissom por Antom Santos.)
—Tratava-se dumha exigência imperativa; nós praticamente nem a atendemos. Havia anos nos que semelhava como se a morte de milhares de milhons de pessoas nom puidesse ser evitada.
—E por que nom? Como eram as cousas alô polo 2030?
—Bom, essa foi na etapa que enxergámos os problemas mais graves. Mason foi um desses que os viu vir, já em 2003, quando escreveu The 2030 spike. Mas muitos vírom as nuvens da trevoada a se concentrarem sobre as suas cabeças antes disso… recursos a se esgotarem, problemas ambientais a se acelerarem, perda de espécies, afundamento da desigualdade, descontentamento social e crise.
—E logo porque os governos e as instituiçons globais como a ONU ou o Banco Mundial nom pegárom no touro de caras e trabalhárom racionalmente por um plam de transiçom sostível?
—Ha! Vaia ingenuidade a tua. Estás a fazer assunçons sobre os seres humanos e as suas sociedades que som optimistas de mais. Primeiro, apenas um número relativamente pequeno de pessoas viu que o cerne do problema era, a grandes traços, o uso insostível dos recursos. A maioria da gente, e na prática todos os governos e dirigentes fôrom totalmente incapazes, mesmo, de reconhecerem o feito de que os sinais mais alarmantes procediam da sobreproduçom e do sobreconsumo: esgotando bens naturais, destruindo ecosistemas, e generando guerras polos recursos. Os limites do crescimento foram documentados em profundidade desde a década de 1970, mas quase cinco décadas depois, os políticos, capitalistas, líderes mediáticos, economistas, além das pessoas ordinárias, estavam ainda comprometidas em profundidade com o crescimento económico. Foi extremadamente difícil conseguir que as pessoas mesmo cavilassem sobre a idiotez de perseguir o crescimento económico sem limites. Nos ámbitos oficiais, reinava umha ilusom total, a negaçom, e o rejeitamento pleno a fazer aquilo que era preciso, como deter a exploraçom de carvom. Logo, nom havia possibilidade nenhuma de o mundo aceitar a necessidade de decrescimento massivo, afrontando-o dum modo planificado e racional.
—Entom, como se afrontou o problema?
—Os problemas centrais continuárom ignorados até o sistema esboroar de maneira irremediável. Deveria ter sido óbvio que cumpria umha mudança radical cara o eido local e formas de vida mais singelas, mas na medida que as prateleiras do grande supermercado global permanecessem inçadas de mercadorias, ninguém repararia nos chamados a favor do decrescimento ou reduçom. Muitos de nós podíamos alviscar um tempo de grandes conflitos a perfilar-se no horizonte, mas a um tempo compreendemos que sem eles nom haveria possibilidade de transiçom para sistemas sostíveis e de alcanço planetário. Ora, era evidente que as possibilidades de essa depressom iminente rematarem num decrescimento ordenado resultavam bem escassas. O desenlace mais provável era umha crise caótica, umha queda na barbárie, e umha era de saqueio dominada por senhores da guerra e mortes massivas.
—Bom, e nós certamente chegamos a estes tempos problemáticos. Que nos levou a este desenlace?
—Fundamentalmente duas cousas. Primeiro, o rápido debalar da extracçom petroleira através de fracking. Durante décadas, houvo preocupaçom crescente sobre a maneira de se conseguir petróleo abondo, mas a chegada do fracking levou a pensar que isto poderia suplir as carências. Porém, em dez anos o fracking estoupou, pois os campos petrolíferos esgotárom-se aginha. Por volta de 2018 nenhum dos maiores produtores conseguira lucros; de facto, todos eles estavam seriamente endividados. Mas ainda mais importante foi o rápido debalar da capacidade de exportaçom petroleira por parte dos grandes fornecedores de Médio Oriente, devido ao crescimento da populaçom e ao declinar da produçom de auga e alimentos; isto levou estes países a destinar mais e mais da sua produçom petroleira a necessidades internas.
—Vaia, logo o preço do petróleo subiu de novo, como em 2014, mas isto crebou a economia mais umha vez; a procura e os preços do petróleo caírom.
—É certo; adentramo-nos no cenário da costa abaixo cheio de baches. No entanto, a dívida global ia disparando. Mesmo em 2018 era muito mais alta que antes da primeira CMF (crise mundial das finanças).
—A primeira CMF?
—Isso é…nom tinha nada a ver com esta CMF2. Os poucos que possuíam a maioria do capital mundial tinham pouca mais escolha do que continuar a emprestar mais e mais investimentos de capital risco, desde que a economia se tinha enfreado por décadas; fazia-se logo mais difícil para eles topar investimentos rendíveis. É por isso que a dívida global continuou e continuou. Mas o problema chegou quando eles deixárom de acreditar em que iam recuperar o capital que investiram. Pensa umha cousa, ti só emprestas se tens a certeza de ires recuperar o investido com os seus conseguintes lucros, e isto nom é possível, nom sendo que a economia medre, permitindo o receitor produzir abondo para repagar o empréstimo e os seus interesses. Portanto, se ao cabo eles nom se podem convencer a si mesmos que o crescimento futuro é provável, eles pararám de emprestar.
—E que foi o que deteu o crescimento?
—Todas as dificuldades que mentei piorárom, nomeadamente a desigualdade. Os súper-ricos disparárom até a obscenidade a sua riqueza, namentres a maioria da gente ficava estagnada. Por exemplo, os mais dos trabalhadores nos Estados Unidos nom vírom nenhum incremento nos seus ingressos por volta de corenta anos. A massa do povo nom tinha dinheiro para gastar, um dinheiro que manteria a actividade económica em crescimento. Entom, de súpeto, a borbulha financeira estoupou; os ricos apavorárom-se e pretendêrom recuperar o seu dinheiro, o que quer dizer que exigírom os seus empréstimos para nom emprestarem mais. Logo…o colapso do inteiro sector financeiro foi seguido em pouco tempo polo colapso de todo o demais, naquela frágil e omnipresente economia global. Por exemplo, os exportadores nom aceitariam encomendas, porque eles pensavam que os importadores nom iam ser quem de conseguir o crédito para pagarem; eis a razom polas que as cadeias de fornecimento just-in-time aginha falhou. Esse foi o início da mae de todas as depressons.
—Mas isso nom trouxo o Armagedon…a velha orde foi golpeada duramente, mas em certo modo nom sofreu umha explossom, ou nom?
—Pois. Nós fomos na verdade afortunados, após a sacudidela inicial, entramos numha depressom que se agravava aos poucos. Isto deu à gente tempo abondo para tirar liçons para mergulhar no novo contexto. Teria sido realmente grave se se produzisse umha crise súpeta, catastrófica, que arrasasse todo. O colapso iniciou dous diferentes processos. O mau foi que quando os preços subírom, e quando a escasseza e o desemprego se incrementárom, as dificuldades incrementárom-se, e muita gente, compreensivelmente, culpou os políticos por incompetência; e quando os governos tivérom que afrontar dificuldades e demandas sociais por volta de recursos minguantes, o descontentamento disparou. Em consequência, migrantes e refugiados fôrom reponsabilizados por ocuparem postos de trabalho, e incrementou-se o apoio ao racismo e aos movimentos fascistas. Porém, no outro extremo, generou-se umha amplíssima consciência sobre a incapacidade da economia de livre mercado global de atender às necessidades mínimas do conjunto da gente; soubo-se que este modelo nom solventa os grandes problemas; de facto foi ainda mais claro que nunca que o próprio modelo era o causante deles. Um grande número de pessoas do comum dérom-se de conta de que cumpria assentar no nível local, que tinham que juntar-se para decidirem como desenharem os seus bairros, vilas e cidades, com o alvo de fornecerem os bens de primeira necessidade. Era óbvio que eles deviam cooperar e organizar-se, ensaiando como poderiam converter os seus hábitats em hortas, obradoiros, cooperativas, pomares, etc. Eles compreendêrom que deviam estabelecer comités, jeiras e tornajeiras, e assembleias de vizinhança, para ensaiarem aquilo que é preciso fazer. Ainda mais importante foi a mudança radical de mentalidade: de ser sujeitos passivos dum governo, a aceitar o mandato de dirigentes distantes, à tomada colectiva de conciência sobre o próprio destino. Aliás, deu-se umha mudança nas expectativas: as pessoas decatárom-se rapidamente que eles nom poderiam recuperar mais a velha riqueza baseada no esbanjamento. Vírom que eles deviam estar satisfeitos com o que era suficiente, e para isso deviam cooperar e priorizar o bem comum, nom concorrer como indivíduos por objectivos egoístas.
—Mas como foi possível, para gente que nom fixera outra cousa do que trabalhar por dinheiro e ir ao súper, começar a fazer tais cousas? As pessoas viviam como consumidoras passivas de produtos e decisons, e apenas experimentaram a cultura do individualismo competitivo. Porque virárom elas na direcçom do coletivismo e a auto-suficiência?
—Porque na altura, os exemplos de caminhos alternativos foram já estabelecidos com certa extensom polas Vilas em Transiçom e o movimento das Eco-aldeias. Daquela foi bem compreendido que a gente que estivera teimando com as hortas comunitárias e as cooperativas por décadas a fio, estivera mesmo fazendo o que agora é crucial para fazermos todos nós. A gente foi quem de aderir às alternativas que estabelecidas em pequenos ámbitos aqui e acolá: os hortos de autosuficiência alimentar, os grupos de apoio, as cooperativas de corral, as federaçons livres. Um número crescente de pessoas decatou-se de estes serem os únicos caminhos para conseguirmos umha vida digna. E seguírom o exemplo que esses movimentos estabeleceram.
—Logo estás a dizer que fomos rapidamente do velho capitalismo consumista e suicida, da sociedade do crescimento e da prosperidade, aos novos sistemas que temos hoje…desde a volta ao local?
—Nom, nom. Isso foi apenas o que eu chamo fase 1. A revoluçom completa foi lenta e complexa. Até o de agora só explicamos o de que o caminho que cumpria percorrer era o do desenvolvimento de comunidades locais a utilizarem recursos locais para cobrir o maior número de necessidades possível. A primeira fase resultou ser um lento processo de construçom dumha economia alternativa, umha Economia B baixo o velho mercado e o capital da Economia A, a dominante; o fim era fornecer cousas que o sistema de mercdo negligenciava, nomeadamente trabalho, recursos e bens para gente afundida no desemprego e na pobreza. A Economia B implicava princípios que contradiziam categoricamente aqueles da Economia A.
—“Como?
—Bem, em primeiro termo nom estava dirigida por investidores a procurarem maximizar os seus lucros. Esse fora o mecanismo que estava no cerne do velho sistema, e nunca conseguiu produzir aquilo que era realmente preciso. Nunca priorizou a produçom de comida para pessoas famentas, ou moradias humildes e asequíveis. Sempre produziu aquilo que as pessoas mais ricas queriam, desde que elas estavam prontas para consumirem os bens mais caros e produzir o que eles procuravam era mais lucrativo para os fornecedores. O sistema de mercado nom pode comportar-se de outro modo. Em segundo termo, as decisons sobre o que produzir e que iniciativas encetar partírom das comunidades, colectivamente, em assembleias de vila ou aldeia, que discutiam o que devia fazer-se. E estas deliberaçons podiam, e normalmente faziam-no, dar prioridade a outros benefícios do que os monetários: à sostibilidade ambiental, à coesom comunitária ou ao bem estar real. Daí que se tratasse dumha economia que arrebatou o poder aos possuidores do capital. Previamente, eram os capitalistas quem decidiam qe poderia ser desenvolvido ou produzido para a venda, e eles apenas desenvolviam aquilo que maximizava a sua riqueza, nunca o que se precisava com urgência.
—Dacordo, isto tem a ver com como funcionava a cousa, mas eu gostava de saber mais de como vai reempraçada. Estás a dizer que a velha economia foi basicamente eliminada por um processo de estabelecimento de mais e mais pequenas empresas e granxas, algumhas delas cooperativas, rumadas à produçom para o consumo local?
—Nom ho! Isto foi o começo mais importante, mas poderia ter conduzido apenas para moreas de pequenas firmas verdes operando no velho sistema mercantil, tencionando competir contra cadeas que importavam do Terceiro Mundo, e sem ameaçarem a economia global. O factor crucial, o ponto de inflexom, foi que quando a gente se decatou que cumpria unir-se para o controlo do destino da sua vila, celebrar assembleias nas que eles abordassem as necessidades mais urgentes, de maneira que puideram decidir que fazer colectivamente. Isto conlevou tomar reponsabilidade polo contorno, tentar a identificaçom cooperativa dos nossos problemas, e ensaiar as melhores estratégias. Entom sostivo-se o desenvolvimento de cooperativas e assembleias de localidade, além de bancos locais, laboratórios de empresas e cooperativas. Nom se tratava de negócios privados, a operarem dentro da Economia A. Bom, algumhas delas mercavam e vendiam na velha Economia A, mas a sua preocupaçom era construir a Economia B e fornecer bens e serviços cruciais, nom conseguir lucro.
—Dacordo, e entom como se envolvêrom os governos? Certamente, eles teriam que fazer umha cheia de intervençom e planeamento, forçando o pessoal a tomar estas vias tam diferentes. Nom dou entendido porque eles permitiriam a concreçom disto todo, desde que eles comumente pensavam apenas nos termos da economia convencional. Quero dizer, que estavam dominadas normalmente por homens de negócios que sabiam que o melhor, que a única forma de progressar, era duplicar esforços nos negócios locais para a sua riqueza repercutir em toda a populaçom.
—Nom, ti estás de novo a obviar o facto de a economia local convencional fora esboroada pola depressom, e que muitos negócio locais foram varridos. A autodestruçom da velha economia fijo boa parte do trabalho de reestruturaçom produtiva, quer dizer, de livrar-se dum vasto número de companhias inecessárias. Desde que os concelhos do tempo da depressom nom eram quem de recadar grande número de impostos, e já nem digamos de realizar muitas outras actividades, mesmo se o pretendessem.
Na altura, decatamo-nos de que deveríamos fazê-lo praticamente por nós mesmos, através de iniciativas cidadás. Com o tempo, quaquer poderia decatar-se de que as estratégias convencionais nom poderiam ressucitar a velha economia; aliás, os governos nom estavam na posiçom de poderem deter as iniciativas de desenvolvimento das comunidades. O povo apenas viu claro que o que precisava é a necessidade de as cousas irem para a frente. Obviamente, nós aos poucos fomos recebendo assistência de alguns dos concelhos mais sensíveis que eram cientes da importáncia da Economia B. E com a passagem do tempo, conseguimos que mais gente com esta visom alternativa do mundo fosse eleita nos concelhos.
—Dacordo, mas que aconteceu com os governos estatal e federal?
—Com o tempo virárom menos relevantes, de facto até a Etapa 2 da revoluçom estavam atrapados nos mercados convencionais e no pensamento do crescimento, fundamentalmente porque as corporaçons dos súper-ricos tomaram tanto controlo sobre eles, através das contribuiçons de campanha, e porque os profissionais e académicos dominantes nom conheciam mais do que o paradigma do crescimento e da filtraçom dos benefícios aos de abaixo. Como consequência, fôrom esnaquiçados dumha maneira patética, na sua tentativa de duplicar o investimento. Obviamente, as únicas maneiras nas que eles podiam pensar eram nas do reparto massivo de incentivos para os proprietários de capital investirem.
—Isso é o que eles fixérom na CGF 1…deram-lhe milhares de milhons.
—Deram. É muito estranho que nom se lhes ocorrera que, se ti queres que essa economia eivada continue a funcionar, deves estimular a procura, e entom os repartos massivos aos pobres poderiam ter arranjado algumha cousa. Mas como eles nom estavam muito interessados em ajudar a gente mais despossuída, os governos baixaram os impostos e isto, junto com os crescentes problemas, nom permitiu ajudar as iniciativas locais; nom poderiam fazê-lo ainda que quigessem. E, de maneira mais importante, as agências centrais nom podiam dirigir as pequenas economias locais emergentes. E nom poderiam fazê-lo nem no caso de terem montes e moreas de dinheiro. Só as pessoas que viviam numha pequena localidade conheciam as condiçons alô, o que realmente se precisava, que tradiçons e clima sociail reinava, que estratégias podiam ser aceitáveis. E entom forom quem de implementar de imediato decisoes, por exemplo organizando jeiras e torna-jeiras.
—Mas nom comprendo como qualquer destes processos levou a livrar-se do capitalismo. As corporaçons valiam milhares de milhons. Como arranjou o governo para banir todas estas indústrias nocivas que produziam embalagens, propaganda, carros desportivos, cruzeiros…
—Quiçá devia ter esclarecido isto antes. Os governos nom o fixérom. Eles nom precisavam fazê-lo. As corporaçons fundírom-se a si mesmas! Quebrárom. Lembra, foi a depressom mais massiva que se viu nunca. Um vasto número de empresas de todos os tamanhos foi à bancarrota e desapareceu…porque a malta nom tinha os trabalhos, ou os ingressos precisos, para continuar a compra dos seus produtos. A economia real diminuiu ao extremo, e com ela muitos negócios pequenos que forneciam bens cruciais como legumes ou pam, e muita gente que trabalhara em empresas nocivas apareceu para iniciar o seu trabalho em este tipo de emprendimentos. Os governos nom tivérom que eliminar o capitalismo! Este auto-destruiu-se!
—E que aconteceu com o 1%? Como se arranjou isso?
—Ignoramo-os radicalmente. Desaparecêrom! A sua riqueza nom servia mais! Nom poderiam comprar caviar ou carros de luxo, desde que cousas como essas nom eram produzidas mais. Nos anos 30, na Guerra civil espanhola, quando os anarquistas tomaram Barcelona, muitas factorias foram abandonadas polos seus proprietários, polo que os trabalhadores mantivérom-nas em andamento, e de feito muitos capitalistas permanecêrom cobrando um soldo como quadros da empresa, porque vírom que era a melhor opçom. E em Detroit, o colapso criou vastas extensons de terra abandonada que virárom leiras. O mesmo na Grécia, e em muitas outras regions desfeitas polo neoliberalismo. Umha pouca austeridade pode fazer maravilhas! Leva em conta que aqueles que leram Marx nom se surprendêrom.
—Logo que queres dizer? Que luz puido deitar esse velho louco nesta revoluçom?
—Um elemento que está no cerne da sua teoria do capitalismo é que as contradiçons desenvolvidas no seu interior, finalmente, iam destrui-lo. Ele previu-no para um século antes, mas batia certo ao analisar o mecanismo. Olha, a importáncia de Marx acha-se na sua disecçom das dinámicas do capitalismo, de como as suas estruturas, de maneira inevitável, acontecem além do seu tempo.
A primeiros deste século, era óbvio que a desigualdade estava chegando a níveis que nom eram apenas moralmente obscenas, senom que estavam a matar a economia. O princípio reitor do sistema era essa fera, incessante e inexorável procura, por parte dos capitalistas, para acumularem capital. O sistema nom lhes deu umha outra escolha. Ou bates no teu rival na concorrência das vendas ou vas ser eliminado; assim, os vencedores viram mais grandes e mais ricos a cada passo, incrementando o seu poder político para distorcer todo ao seu favor. Isto poderia ter esganado a economia real mesmo se os recursos e os custes ecológicos nom estiveram a apretar o nó até o insoportável, fazendo mais e mais difícil topar bons nichos de investimento e conseguir lucros. E ainda mais, os robôs atacárom.
—Atacárom?
—Atacárom, os melhores aliados que nós temos tido. Maravilhosa confirmaçom daquele velho louco Marx.
—Que?
—Evidentemente, a introduçom de robôs foi maravilhosa para todos aqueles que possuíam as factorias: nenhuma necessidade de pagar mais salários. Mas aginha decaiu a procura…porque a falta de salários significava nada para gastar, e claro, nada foi gasto…os capitalistas quebrárom, num ritmo mesmo mais acelerado. E nom tivemos que construir barricadas nem disparar um tiro. Encantador…mais e mais gente a vir às nossas cooperativas. A propósito, Marx também tivo isto claro…a acumulaçom capitalista produzia condiçons de deterioramento para a maioria, até o ponto de afundir o sistema. Mas de novo, o cálculo de tempo estava errado.
—Mas nom podes chamar isso umha revoluçom marxista, nom?
—Estás certo. Nom se tratou do modelo canónico que deu por feito a esquerda comunista durante quase 200 anos. Primeiro, porque nom foi guiada por um partido implacável pronto para tomar o poder do Estado pola força e derrocar a classe capitalista. Nom se centrou em tomar o Estado, como se tivesse que dar-se primeiro esta mudança para logo ser dirigido todo o processo pola cima. Nom, nom se tratou dumha luita de classes aberta, da luita para arrebatar o poder por parte classe obreira, ainda que isto, obviamente, foi o desenlace. Nom implicou o governo por métodos autoritários até que o comunismo foi estabelecido. Foi o contrário dum processo de transiçom organizado, ou da direcçom centralizada dumha sociedade post-revolucionária. E o cerne do processo nom foi a mudança da economia, nem das relaçons de poder; foi a mudança cultural. Se quanto menos a esquerda comunista tivesse compreendido isto, o trabalho seria feito muito mais aginha.
—Que queres dizer com transformaçom cultural?
—Foi sobretodo umha mudança de mentalidade, de pensamento, de valores e de ideias sobre o bom e o justo, sobre umha sociedade sostível e sobre a vida boa. A gente, ao final, decatou-se de que o velho sistema nom ia cobrir as necessidades, e que umha sociedade sostível teria que basear-se nomeadamente em comunidades locais altamente auto-suficientes e em regime de auto-governo, gerindo os seus assuntos através de procedimentos de participaçom, todo elo em economias de pequena escala que minimizaram o uso de recursos…A sua posta em andamento foi na verdade a Revoluçom. Isto foi o que levou a mudanças no poder, no estado e na economia global. E sem a emergência dessa visom do mundo nós nunca poderíamos ter acadado o que acadamos agora. Esta sequência de eventos foi o contrário do que a visom socialista esquemática assumira. Os marxistas achavam que cumpria tomar o poder ao primeiro, e que decorreria um tempo longo até que a gente superasse a mentalidade trabalho-consumo-concorrência; e entom o comunismo ia ser possível. A orde dos acontecimentos estava errada. Quem acadárom os objectivos fôrom os anarquistas.
—O que? Os que punham bombas? Como demo chegárom a ser relevantes?
—Ou, meu caro. Cumpriria ordenarmos um chisco as ideias. ‘Anarquismo’ é um termo como cristao, ou mussulmano, ou humano, que atinge umha ampla categoria de ideias, de tipos e práticas, algumhas das quais som terríveis e algumhas admiráveis. Si, alguns dos que se chamavam a si mesmos anarquistas pensavam que a violência era o modo para mudar a sociedade, mas os que nós seguimos, como Kropotkin e Tolstoi, e mesmo podes incluir Gandhi, nom afirmavam tal cousa. A nossa corrente mais bem devesse ser identificada como aquela que aposta polo governo através da democracia participativa. As decisons eram tomadas por cada umha das pessoas no nível mais baixo, nas assembleias ou em referenduns, e aqui incluiam-se estas decisoes, relativamente poucas, que ficavam no nível do poder estatal e nacional. O povo, todos nós, mantínhamos o poder igualmente; ninguém tinha poder sobre nós. Este é o modo em que todo funciona agora, e obviamente nom é possível soster comunidades austeras, mantidas na sostibilidade e nos cuidados, de outro jeito.
—Dacordo, imos atrás na história. Som ciente de que a depressom achaiou o terreno e motivou o povo para deparar-se com novas formas, mas neste ponto devemos explicar bem mais cousas: sobre o começo da criaçom de economias locais, e sobre o avanço desde umha situaçom onde os governos nacionais e as distintas economias forneciam às pequenas localidades todo tipo de bens que precisavam para prosperarem, numha economia global na que diminuía progressivamente o PIB. Primeiramente, devéssemos levar em conta que nenhuma comunidade local pode ser completamente autosuficiente. Esta sempre precisa cousas, tais como botas, ou tela de arame, fornos…que só podem ser produzidas em factorias afastadas.
—Pois é, velaí umha questom importante que nos leva a discutir a 2ª Etapa da revoluçom. Aginha viramos conscientes das necessidades importadoras da vila, nomeadamente num feixe de bens cruciais. A nossa rápida resposta foi estabelecer em vilas e bairros as nossas próprias granxas nas redondezas, ou até organizar algumhas granxas para fornecer bens alimentares, designadamente graus e produtos leiteiros que nom podiam ser produzidos em cantidade abonda nas áreas estabelecidas. Mas obviamente, havia muitos outros bens que as nossas comunidades frugais precisavam, como as que ti mencionas, e isto incluía pequenas cantidades de cimento e aço. Isto levou a umha pressom importante nos governos para organizarem o fornecimento destes recursos: reestruturando capacidades e prioridades, e exportaçons a partir de pequenas factorias regionais. Deves recordar, mais umha vez, que numha economia nacional colapsada, nom era tam difícil como antano, pois havia moreas de factorias e trabalhadores parados, e desejando reorientar a asua actividade.
—Mas como puido cada vila, cada aldeia ou bairro conseguir por exemplo a tela de arame que precisava, como puido pagar por isso, quando eles o que podiam produzir nom era mais do que legumes e froita?
—Si, organizar isto foi a tarefa mais importante, e a soluçom foi assegurar a cada vila que poderia ter capacidade exportadora, para que puidesse pôr na economia nacional alguns bens fundamentais que as vilas antano necessitavam importar. Isto fijo possível para os pequenos núcleos ganhar a pequena cantidade precisa para pagarem os bens importados. Nalguns casos, estas tinham umha só indústria como por exemplo minaria, ou um centro produtor de rádios. Outras, pola contra, organizárom-se para produzirem umha ampla variedade de bens. Muita planificaçom racional, ensaios de prova e erro, fazia-se preciso, assegurando assi que todos os núcleos tinham a sua parcela de produçom. Porém, o volume e a variedade destes bens resultou ser muito limitado, polo que nom resultou umha tarefa muito difícil. Lembra que o pessoal aceitou modos de vida muito frugais, e quase nom se elaboravam produtos de luxo. As vilas demandárom a reestruturaçom, da que se ocupárom os governos estatais: de outro modo, as vilas nom iam sobreviver. O assunto mais importante era que este era o processo polo qual o povo, as populaçons locais, começárom a ter a iniciativa e a dirigir, dizendo às autoridades centrais o que se precisava e o que cumpria fazer. Grupos de localidades estabeleceram também as suas próprias instituiçons, conferences, agências de pesquisa para descobrirem os melhores planos, e insistírom para as autoridades centrais autorizarem isso todo. Deste modo, as vilas e as suas associaçons regionais foram tomando mais e mais funçons que foram dos governos estatais, e isto levou a um tipo de assembleias locais transformadas no mais importante ámbito de governo. Estas metêrom o nariz em outros campos, reempraçando parcialmente agências do estado, ou bem dando às agências do estado ordes directas; sem esquecer que também instalaram representantes locais nas agências governamentais. Entom, os governos nacional e estatal mirrárom dramaticamente, e ao cabo rematárom por reter apenas um feixe de funçons.
—Que aconteceu entom com as funçons legislativas, com a aprovaçom de leis, a execuçom de directrizes políticas?
—Olha, isto é o aspecto principal; tiramos todas estas funçons dos governos representativos e burocratizados, devagar, mas pressionando-os progressivamente, dizendo-lhe o que as nossas conferências regionais e referendos estavam a realizar. E chegamos gradualmente a umha situaçom onde os debates e resoluçons no nível local e regional eram encaminhados ao governo estatal e nacional para serem implementados. Logo, nom demoramos em transferir todas estas decisions ao nível mais baixo, o que significava que as decisons estavam a ser tomadas já por cidadaos do comum em assembleias locais. Isto é como fixemos todo, percebes? À maneira anarquista, rigorosamente. Recorda mais umha vez que numha economia nacional que sofrera um decrescimento dramático, e na qual a maioria das necessidades deviam ser tomadas no ámbito local, os governos estatal e nacional tinham muitas menos tarefas para desenvolver. Isto fijo muito mais doado transferir o centro do governo do Estado para o povo.
—Por que dizes ti “à maneira anarquista”?
—Porque o cerne dos princípios anarquistas representa o modo em que os humanos devem fazer as cousas, isto é, sem ninguém a governar, ou a dominar, ou a ter poder sobre o resto. Obviamente, por vezes nom se podem achar soluçons que servirem para todos, ainda que nós sempre trabalhamos para topá-las; e as decisions tenhem que obrigar a minoria a cooperar; mas neste caso os cidadaos exercem o governo, nom som governados por autoridades. Pois quanto menos durante dez mil anos a maioria da gente foi governada por barons, reis, parlamentos, tiranos ou representantes. Isto supom imadureza política, é infantil: nom permite a gente cooperar para se governar a si mesa. E esta é a razom pola que ti vês monumentos aqui e acolá à nai de todas as depressons. Porque nos forçou a adoptar a forma mais sensata de governo, porque nos decatamos de que nom era possível atravessar estes tempos difíceis a menos que regéssemos correctamente o ámbito local, e que isto só podia fazer-se através de procedimentos participativos, sem governos centralizados a se imporem sobre nós.
—E algumha cousa poderia ir mal de novo? Quero dizer, quiçá recuemos para a procura de luxos e riqueza, e quiçá a desigualdade se construa de novo, com indústrias a servirem aos ricos emergentes, com elites a ganhar poder, e com concorrência entre naçons a gerar guerra de recursos e conflitos internacionais…
—Nom…fundamentalmente porque os recursos esvaecêrom. Queimámos a nossa fabulosa herança de minérios, de boscos, de solos e espécies em apenas 200 anos. Agora um nom pode conseguir cobre, nom sendo que refine restos de jazigos muito pobres. Somos afortunados, desde que a natureza nos prevém de voltarmos ao caminho idiota do crescimento e da riqueza crematística. E ainda mais importante do que isto, é que se produziu um enorme acordar cultural, umha transiçom em ideias e valores ainda mais importante que a Ilustraçom. Os seres humanos entendemos agora que nós apenas podemos viver com umha taxa de recursos per capita muito baixa, e que a boa vida boa nom pode ser definida em termo de riqueza material, de fazer-se mais e mais rico em bens materiais cada vez.
—Agora, há um outro assunto que quereria encetar…
—Dianhos, desculpa! Despistei-me da hora. Acabo de decatar-me de que o meu grupo de astronomia se reúne em cinco minutos.
—E que che parece combinarmos depois?
—Sinto-o, tenho umha aula de arte.
—E amanhá?
—Desculpa, é o único dia da semana que trabalho por dinheiro.