(Selecção de poemas incluídos no livro O mundo nasce em Chantada feita polo autor para a revista 15/15\15.)
Arte de aventoar
Por baixo da portada corria com força o vento do norte. Nesse carreiro aventoávamos, deitávamos a peneira coas favas, e as cascas voavam co vento, pequenas pétalas libertadas. A peneira torta abraçava as favas brancas e as cascas fugiam, rio incessante de minúsculas borboletas. O vento do norte arrasta já a última pétala, o vento mágico que corre alouminhar o rosto da terra.
Banco silencioso
É um banco vazio. Um banco de madeira. Polas suas veias correm bem mais de cem anos. Sentados no banco percorremos o tempo, antes das estradas e dos carros, quando os homens eram homens e as mulheres mulheres, quando o corpo humano era o transporte de todos. Velho banco de madeira, viajo contigo ao tempo da lama e dos socos, ao tempo heróico. Desde os teus lábios silenciosos, pronuncia as palavras mágicas: o único progresso é o próprio esforço.
Esta imensa alegria
Revolver na erva, no calor do meio-dia, erguer a galheta numa meia volta. Por cima de mim, o céu intenso estendendo-se infinito. Meia volta a meia volta o lado verde da erva fica prà cima. Agora deixai que o sol seque esta bendita erva. Juntos no prado fomos um, por baixo do céu azul. Agora caminhamos coa galheta ao lombo, polo carreiro luminoso do Verão. Alá ao fundo está a casa de Pousada, o velho telhado de aldeia. Sei neste momento, quando assobio uma melodia, que ninguém pode ser mais feliz do que eu. Não necessito mais nada: o meu único bem são estas mãos e esta água que agora bebo, ao chegar a casa. Sinto agora a minha imensa riqueza, ninguém a pode tocar, ninguém a pode ver, só eu a posso sentir. Esta imensa alegria que se chama liberdade.
Meda pechada
Ao Guilherme
de Pousada,
criador de medas
Vai fazendo a meda, artista. Eu irei-che dando humildemente os molhos. Essa roda dourada de pão e de palha, moldada polo artista. Não atinjo a tua arte, não compreendo essas mãos velozes. Nunca aprenderei a fazer essa branda pirâmide, mas olhando-te aprendo a aprender, e torno-me humilde. Eu irei-che dando os molhos e os andares de ouro irão subindo. Aprende, aprendiz. O artista vai pechar a sua meda. Abandonada à água, a água não entrará. Aprende, aprendiz. Nunca queiras riquezas. A única riqueza é o próprio artista.
O idioma das vacas
O taravelo virava, as portas das cortes abriam-se, e as duas vacas saíam. A corda ficava presa na testa. Atrás e coa vara na mão, eu afalava. E a vara caía docemente no lombo da vaca ceiva. Pola encosta do carreiro, subíamos lentamente. A cinza do céu anuvado mexia-se co vento. As vacas entravam no prado, e a tomada do pastor entrava na terra. Logo se torziam aquelas línguas mágicas no chão, tangendo as cordas das ervas desaparecidas, ao ritmo da doce dança dos rabos. Esta erva é de todos, dizem os rabos e as línguas. E voltávamos para a casa, olhando às vezes o sábio falar das vacas, o seu belo e pacífico idioma: homens e mulheres, esta erva é de todos.
Frecha do progresso
A frecha está quebrada. Enviada pelo arco triunfante do tirano, a frecha devia traçar a linha perfeita, a linha nítida. Mas a frecha está quebrada. No ar denso debuxa a dança da derrota, e a frecha cai. A frecha do tirano estava quebrada, mas enquanto voava para o alvo por cima das cabeças do povo, o povo acreditou nela. Depois, ninguém viu a sua queda. A frecha bateu no alvo, disse o tirano. E todos calaram. A frecha bateu no alvo, disseram todos. Só uma pessoa se afastou do resto, avançando para onde ela tinha caído. Colheu-a, olhou-a e disse: a frecha está quebrada. A frecha bateu no alvo, repetiram todos. A frecha bateu no alvo, repetiu o tirano.
Longe
O pastor conduz as ovelhas: longe do pasto as ovelhas moram. Longe dos rios e das fontes. O pastor conduz as ovelhas, milhões de ovelhas sem pasto moram longe dos rios e das fontes. O pastor abandona o rebanho. E as ovelhas fogem à procura do carreiro afastado, onde nascem as ervas e cantam os pássaros. Milhões de ovelhas fogem, e o carreiro afastado longe, longe, longe, longe.
Noite perpétua
Longe da árvore está o cárcere. Lá onde moras nas sombras da noite, a noite perpétua da ausência de luz. Tu achas que é luz o que vês, mas só é o pálido reflexo de um espelho falso, és um escravo numa noite perpétua. Trabalha, escravo. Deambula na noite perpétua das cidades e das vilas, caminha insone pelos frios carreiros do asfalto, rodeado dos grandes dragões de cimento. Escuta, perto da árvore brilha o dia, e um pássaro canta nalguma póla. Cruza pela noite perpétua, para o alvorejar do dia. Senta na sombra da árvore, e aprende o novo alfabeto. O velho alfabeto perdido, o alfabeto que escreve o ar sobre a terra, a nuvem no céu. Eras um escravo na noite perpétua.
Pomba branca
À minha irmã
Pomba branca,
nunca te deixes domar.
O céu azul é a tua casa,
pousa-te sempre no ar.
Pomba branca,
nunca te deixes domar.
Voa longe,
voa até ao fundo do val´.
O céu azul é a tua casa,
pousa-te sempre no ar.
Pomba branca,
nunca baixes à terra,
nunca te deixes domar.
Pomba branca,
ave chamada democracia,
voa sempre mais longe,
longe da vista dos homens.
Pomba branca,
ave chamada democracia,
tu naceste pra voar.
Mãe da liberdade
Ao Afonso
de Cartelos
Aldeia amada,
vem salvar-nos do progresso.
Vem salvar-nos do eterno assassino.
Vem salvar-nos do crime perpétuo.
Na tua fonte pura
quero eu lavar a minha cara.
Na luz das tuas estrelas
quero eu construir minha morada.
Aqui quero viver,
no berço da liberdade.
Se tu morreres,
o mundo seria um escravo
com cadeias para sempre nos seus braços.
Só em ti há verdadeira riqueza,
próspera terra de homens livres,
pátria da paz entre os povos,
mãe da palavra liberdade.
Aldeia escrava,
torna-te livre,
torna o mundo livre!.