«Para os economistas ortodoxos nom há especificidade da natureza»

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Entrevista com Antonin Pottier por Barnabé Binctin e Émilie Massemin, originalmente publicada em Reporterre. Traduçom: José Ramom Flores das Seixas. Reproduzida mediante licença Creative Commons.

Os economistas neoliberais acusam aos seus colegas heterodoxos de negacionismo económico. Mas é o campo geral da analise económica o que esquece a dimensom ecológica da actividade humana. Análise dumha economia que esquece o essencial.

Antonin PottierAntonin Pottier, antigo aluno da École Normale supérieure, é um post-doc no Centre d’Economie Industrielle da École des mines de Paris. Os seus trabalhos tratam os aspectos sócio-económicos das mudanças climáticas e a integraçom do ambiente na disciplina económica.

O negacionismo económico[1], um ataque violento duns economistas ortodoxos contra os heterodoxos, tem criado umha intensa polémica entre os economistas franceses. Fala-se de regulaçom do mercado do trabalho, da austeridade, de protocolos científicos… mas nem umha palavra sobre questões ambientais. Nom há umha cegueira generalizada dos economistas sobre a ecologia?

comment-economistes-rechauffent-planete-by-antonin-pottierNom se pode dizer que os ortodoxos ignorem as questões ambientais: um sub-campo da economia ortodoxa, a economia do ambiente, está dedicada a esses problemas. Mas efectivamente, os problemas ecológicos som percebidos como efeitos periféricos, nas margens: é o senso inconsciente do termo externalidade que serve para compreender esses problemas. Por exemplo, para as mudanças climáticas, um aquecimento global de 2 °C dará lugar a umha diminuiçom do produto interior bruto (PIB) de apenas 1%, o que é perfeitamente assumptível no horizonte de 2100.

No meu livro Como os economistas aquecem o planeta, sustenho que a corrente ortodoxa retardou a percepçom dos problemas ambientais e portanto a tomada de soluções. Por razões de eficácia económica, preconiza por exemplo o recurso ao mercado. Mas esta ideia grandiosa de criar um mercado mundial de emissões, que incluiria todas as actividades, todas as indústrias e todas as pessoas emitindo gases de efeito estufa (GEE), nom resultou efectiva.

Por que fracassou o mercado de emissões de GEE?

O protocolo de Kyoto, assinado em 1997, fixa para os países industrializados objectivos definidos de reduçom de emissões de GEE. Para que este processo seja eficaz do ponto de vista económico, seria necessário que a reduçom de emissões se produzissem ali onde o seu custo fosse menor. E para conseguir isto pensou-se num mercado mundial de quotas de emissões.

Porém os estados apenas figérom uso de esta possibilidade de trocas: o Canada, no qual o nível de emissões explodiu, bem poderia ter comprado quotas da Rússia, que tinha um excedente, mas preferiu sair do mecanismo. O protocolo nom inclui aos países em desenvolvimento, logo emergentes. De facto, a posta em marcha dum mercado mundial de emissões de GEE demanda em princípio um acordo sobre a atribuiçom de quotas para cada pais, a troca de quotas é um processo posterior. Agora bem, o acordo sobre a atribuiçom inicial de quotas nom se deu atingido, foi nisso no que tropeçou a conferência de Copenhague (2009). A conferência de Cancun iniciou um novo processo que conduziu ao Acordo de Paris, no que se inverte a lógica, já que doravante cada estado apresenta os seus próprios objectivos, sem que haja umha repartiçom global das reduções de emissões. O inconveniente é que os esforços nacionais nom som suficientes para atingir os objectivos mundiais (os 2 °C), mas é de esperar que polo menos se respeitem as promessas.

Porque à economia ortodoxa lhe costa tanto integrar os problemas ambientais?

Há muitas correntes na economia ortodoxa, mas é possível enxergar os princípios comuns que podem explicar esta dificuldade.

A primeira razom vem de considerar que a economia é umha esfera de realidade própria. Nom se consideram os bens específicos –espaços verdes, rios nom poluídos, etc–, senom um conceito abstracto geral de valor, medido em termos monetários. A partir disso, pode-se compensar perdas de ecossistemas por mais computadores, mais conforto material; nom há especificidade na natureza dentro da economia mainstream.

A segunda razom é a importáncia dos mercados. A economia mainstream pode ter em conta umha limitaçom dos recursos, por exemplo a do petróleo; esta futura escassez é prevista polos agentes económicos e gerida polo mercado mediante aumentos dos preços. Supom-se que o mercado envia os bons sinais para que sejam desenvolvidas (como? por quem?) técnicas que substituam os motores de combustom, os tecidos sintéticos, etc. quando já nom haver mais petróleo.

Vista de Tokyo - Na lógica da economia ortodoxa, a natureza seria substituível por produtos materiais.
Vista de Tokyo – Na lógica da economia ortodoxa, a natureza seria substituível por produtos materiais.

E enquanto aos heterodoxos?

Nicholas Georgescu-Roegen
Nicholas Georgescu-Roegen
Os heterodoxos som ainda mais diversos que os ortodoxos! A economia ecológica de Georgescu-Roegen, um dos precursores do decrescimento, ou René Passet, a sócio-economia de Olivier Godard, etc. interessam-se polas questões ecológicas. Porém a maior parte dos heterodoxos, i.e. os economistas marxistas ou keynesianos, que associamos à esquerda política, nom tenhem tido em conta durante muito tempo as questões ecológicas. As suas pesquisas tratavam sobre a reactivaçom da actividade, o equilíbrio macroeconómico, o crescimento, a distribuiçom da renda… e raramente sobre os recursos ou a poluçom. Hoje em dia as cousas estám a mudar; por exemplo Michel Aglietta, um dos fundadores da escola da regulaçom, mostra muito interesse num novo modo de regulaçom do capitalismo que tenha em conta as restrições ecológicas.

Como explicar que estas questões tardaram tanto em emergir?

Houvo um primeiro avanço das temáticas ecológicas nos anos 1960s, que culmina simbolicamente co informe do clube de Roma de 1972 sobre os limites do crescimento. É um período de indagações muito intensas, em particular sobre o crescimento e as suas finalidades. Porém observa-se nas correntes dos anos 1970, quase por toda a parte, um recrudescimento das protestas, tanto ecológicas como sociais. É a erosom do compromisso fordista e a passagem a umha regulaçom, que para abreviar poderíamos nomear, neoliberal.

Os economistas acompanham mais ou menos esse movimento, com umha renovaçom completa dos seus métodos e dos centros de interesse, sobre todo em macroeconomia. Se as questões do ambiente subsistem, nomeadamente na economia do ambiente, nom recebem muito interesse. O crescimento e os mercados devem, de qualquer maneira, resolver os problemas. Os economistas que tomam a sério as questões ecológicas, como por exemplo Robert Ayres ou Hermann Daly, publicavam inicialmente nos jornais mainstream. Mas, na viragem dos anos 1970, passam a ser ignorados e marginalizados. Portanto a economia ecológica constitui-se nos anos 1980 à margem do mainstream. A sua originalidade reside em nom razoar em termos de valor económico mas de limites físicos. Por exemplo, sobre a poluçom, preconizam nom ultrapassar a quantidade máxima de dejectos que pode suportar um ecossistema; a diferença dos economistas ortodoxos que compensam os danos monetários sofridos polo ecossistema com os ganhos obtidos por umha produçom crescente.

A multiplicaçom de alertas nos anos 2000, nomeadamente climáticas, fai com que hoje seja cada vez mais difícil ignorar estas questões, mesmo se os jeitos de as tratar podam ser muito diferentes.

Mas a via finalmente escolhida à volta de 1975 foi a do relançamento da actividade económica e do apoio do consumo material por meio dum novo modo de governo, o neoliberalismo. Os economistas sensíveis às questões ambientais som marginalizados aos poucos, discute-se menos com eles, responde-se menos aos seus argumentos. Aparece a economia do ambiente, que considera que o crescimento e os mercados vam permitir resolver os problemas ambientais. A economia ecológica, nacida nos anos 1950-1960, nom deu ficado dentro da corrente dominante e foi marginalizada.

Nom há umha falta de comunicaçom entre a ciência económica e os diferentes campos que tratam do problema climático?

Com certeza que do ponto de visa académico a economia nom se relaciona muito com as outras ciências. E isto é um problema: refugia-se nos seus protocolos, nos seus jeitos de medir e tornam os seus procedimentos em verdades, sem considerar as opiniões que, sobre o mesmo fenómeno, tenhem os sociólogos, historiadores ou politólogos. O diálogo entre estas disciplinas é complicado, já que há umha espécie de suficiência ou de imperialismo nos economistas: muitos consideram que a sua disciplina é mais científica que as outras, já que as suas técnicas, em particular as econométricas, produzem factos indiscutíveis como dim Cahuc e Zylberberg, mas que só som indiscutíveis para os economistas ortodoxos menos abertos!

A interdisciplinaridade é particularmente importante para o aquecimento global, cumpre convocar o conjunto das ciências naturais e sociais para compreender os efeitos que vai ter o clima nas sociedades humanas. É por isso que os informes do Giec recorrem a um conjunto de disciplinas.

Porém existe umha divergência persistente entre os economistas e os científicos sobre os danos do aquecimento global. Para os primeiros, as diversas maneiras de aproximar os danos que apresento no meu livro conduzem a umha perda do produto interior bruto (PIB) de apenas 1% por 2 °C, o que representa umha quantidade desprezível. Para os segundos, um aquecimento de 2 °C provoca mudanças climáticas muito importantes que serám difíceis de enfrentar. Além, os físicos, biólogos e ecólogos tenhem dificuldades para fazer-se umha representaçom concreta do aspecto da Terra: qual será o ritmo das estações, que ecossistemas sobreviveram, que plantas poderemos cultivar? As transformações dos modos de vida e da organizaçom da sociedades serám consideráveis. Se um se focalizar unicamente nas estatísticas económicas, esquece completamente os aspectos concretos, reais, quase carnais das conseqüências do aquecimento.

Por exemplo?

A questom dos refugiados ou migrantes climáticos é crucial, mas nos modelos económicos actuais apenas é tido em conta, como o salientava recentemente Sir Nicholas Stern. Assim um estudo de princípios dos anos 1990 assumia um custo de mil dólares por refugiado climático! Este tipo de cifras nom significa grande cousa, e porém é a partir destas cifras que os economistas pretendem fazer um gigantesco cálculo custo/lucro para achar o aquecimento óptimo, bem por cima dos 2 °C.

Muitas vezes os economistas adoptam umha postura de superioridade, por que som capazes, graças a valorizaçom monetária, de tornar comensurável os trabalhos doutras ciências sociais: basta-lhes com fornecer umha cifra de danos monetários. Isto permite-lhes assemade pôr de parte as preocupações que nom se poderiam exprimir segundo estes cánones.

O desafio estaria entom em revisar a teoria do valor em economia para que esta integre o clima como um factor inconmensurável?

A corrente ecologista em sentido lato leva consigo a ideia dumha especificidade da natureza, dos ecossistemas e dos seus benefícios, insubstituíveis a muitos níveis. Esta forte intuiçom suscita um verdadeiro debate de ideias: as conclusões som radicalmente diferentes se os danos climáticos som incomensuráveis que se podem ser compensados por mais consumo.

Consideramos que os bens naturais e o consumo som permutáveis, ou nom? É umha escolha real que fam os economistas, as mais das vezes sem o dizer, de tam obvia que lhes resulta.

Lagoa de Cospeito  As zonas húmidas tenhem efeitos muito positivos. Mas como os economistas nom os sabem medir, nom os tenhem em conta.
Lagoa de Cospeito
As zonas húmidas tenhem efeitos muito positivos. Mas como os economistas nom os sabem medir, nom os tenhem em conta.

Que pensa da avaliaçom económica dos serviços que prestam os ecossistemas?

Aqui topamos com umha ambivalência. Atribuir um valor monetário aos ecossistemas salienta a sua importáncia. Quantificar o que fornece umha zona húmida, em termos de prevençom de cheias, de refugio para as espécies, de espaços de lazer, é tomar consciência do interesse da sua conservaçom. É melhor termos umha cifra que nada, quer dizer zero. Mas ao mesmo tempo, umha vez atribuída a cifra, corremos o risco de meter essas zonas numha dinámica financeira de valorizaçom: pode levar-nos, por exemplo, a construir um centro comercial na zona húmida se o seu valor económico for maior. Esta ambivalência é o que explica que sobre esta questom haja posições tam polarizadas.

O problema nom é logo o negacionismo económico, senom o negacionismo ecológico da economia?

Eu nego-me a falar de negacionismo, já que o termo pertence a um contexto histórico preciso e cumpre nom abusar dele. Por outro lado, sim, há um esquecimento –quase sempre por inadvertência– dos alicerces ecológicos das sociedades contemporáneas e das economias desenvolvidas. Representa-se a miudo o ambiente como algo periférico da economia, situada no centro, quando na verdade é a base sobre a qual as sociedades e a economia se desenvolvem.

Notas

[1] Le negationnisme économique de P. Cahuc e A. Zylberberg, é um livro publicado recentemente na França, que tem gerado umha acesa discussom no qual os autores defendem que na actualidade a economia tem-se tornado umha ciência experimental como por exemplo a medicina, e que unicamente os resultados das pesquisas publicadas nas grandes revistas internacionais devem ser tidas em contas.

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