«Todo vai colapsar. Entom… preparemo-nos»

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Entrevista com Pablo Servigne por Marie Astier, originalmente publicada em Reporterre. Traduçom: Ramom Flores. Reproduzida mediante licença Creative commons

Pablo Servigne. FOTO: Ath en Transition. Licença Creative Commons.
Pablo Servigne. FOTO: Ath en Transition. Licença Creative Commons.
O pico do petróleo, as alterações climáticas, a biodiversidade esmorecente … Os cientistas bombardeiam-nos com notícias alarmantes, mas que podemos fazer? Levemo-los a sério dumha vez, recomenda Pablo Servigne, co-autor de Como todo pode entrar em colapso. Mas nom ceda ao pânico: mesmo se o caminho nom é fácil, cumpre aceitá-lo, para começar a preparar o mundo de depois.

Sobre que factos se apoia para afirmar que o colapso é possível?

Nós reunimos um feixe de provas provenientes de publicações científicas. As mais óbvias estám relacionadas com o facto de a nossa civilizaçom estar baseada simultaneamente nos combustíveis fósseis e na dívida.

O pico do petróleo convencional ocorreu em 2006-2007, e entramos numha fase na que se explora o petróleo nom convencional: areias petrolíferas, gás de xisto, óleos de xisto, etc. Isto já é um sinal esclarecedor.

Depois, há um século investia-se um barril de petróleo para extrair cem. Obtinham-se noventa e nove barris a maiores, nadava-se em petróleo. Um século mais tarde, esta taxa de retorno diminui a dez ou vinte, e a diminuiçom acelera-se. Ora, abaixo de um certo limiar, entre quinze e vinte, resulta perigoso para a civilizaçom. Para funcionar, a nossa sociedade precisa de mais e mais energia. Porém cada vez há menos, e portanto nalgum momento a oferta nom vai poder cobrir a demanda.

Ao mesmo tempo, para funcionar, a nossa sociedade precisa de mais e mais crescimento. Durante o boom da post-guerra, dous terços do nosso extraordinário crescimento provinha dos combustíveis fósseis. Mas sem combustíveis fósseis nom há mais crescimento, as dívidas nom se vam dar reembolsado jamais, e todo o nosso sistema económico vai se desmoronar como um castelo de cartas.

Neste contexto, que lugar tem a crise ecológica?

No nosso livro usamos a metáfora do automóvel. Há a questom do tanque de combustível: nalgum momento ficará vazio. É o que acabo de explicar. E há outro problema: o automóvel vai mais e mais rápido e sai fora da estrada. A ciência já percebeu que o clima está desregrado, que a biodiversidade colapsa literalmente. Ultrapassamos os limites que nom deveram ser ultrapassados sob pena de desestabilizar os ecossistemas que nos mantenhem vivos. O automóvel é susceptível de bater contra as árvores. Se formos até o fim, alguns estudos mostram que podemos eliminar a maior parte da vida na Terra. Estamos nisso neste momento.

Portanto a crise ecológica é muito mais grave do que a crise económica. Algumhas civilizações antigas colapsaram económica e politicamente, mas alguns séculos mais tarde renascem. Também há civilizações que desabaram por causas ecológicas. O colapso do meio-ambiente provoca a derrocada da civilizaçom. Neste caso, no entanto, a civilizaçom nom revive porque o meio está esgotado, morto.

Entre todas estas catástrofes, qual é a que pode desencadear as outras?

O que é importante, para a faísca que vai provocar a igniçom, é a velocidade. E neste caso o mais frágil é o sistema financeiro. Os colapsos financeiros som muito rápidos, embora sejam menos graves. O problema é que eles podem desencadear um colapso económico, afectando ao comércio físico, o que pode provocar um colapso político e, posteriormente, um colapso das instituições sociais, da fé na humanidade, da cultura, etc.

Utilizam-se mais as palavras crise ou catástrofe: por que preferiu usar colapso?

Nós também usamos desastre e crise. Gosto da palavra catástrofe porque é provocadora. De facto nós tornamo-nos catastrofistas, isto nom significa que nós desejemos as catástrofes ou deixemos de lutar contra elas, senom que somos lúcidos e as aceitamos.

A palavra crise nom é ajeitada, pois implica que é possível retornar ao estado de normalidade que havia antes da crise. Mas nom é o caso. Portanto, falar de crise é um mau uso da linguagem, ainda que nós mesmos a tenhamos utilizado por vezes no livro.

Colapso é umha palavra da que gostamos porque tem um uso alargado. Pode-se usar na linguagem científica, mas também atinge o imaginário. Ao dizer colapso a gente pensa em Mad Max ou em filmes de zumbis. Mas há muitas outras cousas que podem aflorar. Assim, o nosso trabalho é dar corpo a esta palavra, enchê-la de conteúdos. Para chegar a descrever o que poderia significar na nossa sociedade, para a geraçom actual, além dos mitos hollywoodianos.

E isto também ajuda a perceber que é um processo.

Sim. Dentro do nosso imaginário colectivo existe a noçom de Apocalipse. Da noite para o dia, já nom há nada e chegou a barbárie. De facto isto nom é assim. Ao falarmos de colapso podemos referir-nos a umha catástrofe financeira, que acontece numhas poucas horas, mas também a umha catástrofe climática que se desenvolve em décadas ou mesmo em séculos. Todas as grandes civilizações que ruíram demorárom dezenas ou mesmo centenas de anos para o fazer.

Se ocorre o colapso, que é o que colapsa exactamente?

Aprofundamos nesta questom partindo do que é vulnerável. Hoje em dia, na nossa sociedade temos umha economia complexa: linhas de abastecimento, sistema financeiro, estruturas de fluxo – todo o que é o sistema alimentar, o sistema de abastecimento de água, o sistema médico. Todo isso tornou-se extremamente frágil porque é complexo e está interconectado. Portanto, o que vai entrar em colapso é todo o que depende dos combustíveis fósseis. Isso inclui as energias renováveis e a nuclear, já que para as fabricar precisam-se de combustíveis fósseis. Quando um se apercebe de que quase toda a nossa alimentaçom dependem do petróleo, que é o que vamos comer? O que vai entrar em colapso é absolutamente gigantesco.

Outra maneira de responder é que, quanto mais rico e industrializado é um pais, e mais intensivo é o seu sector agropecuário, maior vai ser a queda. Nas periferias, isso vai ser muito menos grave e aparecerám novos rebentos capazes de reavivar umha civilizaçom. Por exemplo, durante a crise das hipotecas subprime em 2008, ocorrêrom distúrbios em trinta e cinco países por escasseza de alimentos, devidos apenas à flutuaçom nos preços das matérias-primas. Em Moçambique, que nom estava ligado ao sistema económico global, nom sofrêrom essa crise.

É possível evitar este colapso?

Nom, é umha das mensagens centrais do livro. Evitá-lo significaria continuarmos com a nossa trajectória de crescimento. Agora bem, nom só isso já nom é possível (como se demonstra com o fim dos combustíveis fósseis), senom que de continuarmos a crescer, o aquecimento global e a destruiçom da biodiversidade provocará um colapso da nossa civilizaçom. A outra maneira de evitar o colapso seria a construçom dumha economia que nom precisasse de crescimento. Mas, sem crescimento, a actual civilizaçom industrial desaba. Portanto de qualquer maneira vamos entrar em colapso. Estamos cercados.

A postura do livro é de aceitá-lo. Há um colapso, de acordo, respiremos. Aprendamos a gerir a razom, a gerir as emoções, a gerir as nossas relações com os outros, com o futuro. Eu tivem que renunciar aos meus sonhos, é mais, tivem que renunciar aos sonhos que tinha para os meus filhos. É muito doloroso. Umha via de saída, o colapso pode ser visto como umha oportunidade incrível de irmos para algumha cousa que podemos começar a construir desde já.

Saberemos quando o colapso vai acontecer?

Conhece a fábula da rã? Se colocarmos umha rã em água a ferver, ela salta. Se a metermos em água fria e aumentarmos a modinho a temperatura, ela fica na agua até morrer por nom se aperceber de que a água quentou de mais … Intuímos que, talvez, na Grécia, na Espanha, na Síria, o colapso já começou. A nós ainda nom nos afectou porque somos ricos.

A projecçom Bussines-as-usual  de “Os limites do crescimento” asemelha-se perigosamente aos dados actualizados por Graham Turner: Turner G.M. (2012). On the Cusp of Global Collapse?. Update Comparison of The Limits to Growth with Historical Data. GAIA 21/2, 116-124.
A projecçom Bussines-as-usual de Os limites do crescimento asemelha-se perigosamente aos dados actualizados por Graham Turner (2012): On the Cusp of Global Collapse?. Update Comparison of The Limits to Growth with Historical Data. GAIA 21/2, 116-124.

Como chegou focar a sua investigaçom sobre o colapso?

Um especialista do teito do petróleo, num simpósio, falou sobre o que ele chama momentos “Oh meu Deus”. Isto produz algo mais que um abalo mental, sente-se no estômago e no coraçom, depois já nada é o mesmo.

O meu primeiro momento foi o teito do petróleo. Assistim a um documentário sobre como Cuba sobreviveu ao teito do petróleo, e comocionou-me tanto que fum à ilha dous meses. Outro grande momento “Oh meu Deus” foi o meu encontro com Dennis Meadows, co-autor do relatório do Clube de Roma Os limites do crescimento. A sua mensagem é clara: é tarde demais para o desenvolvimento sustentável, temos de nos preparar para o choque, e construir pequenos sistemas resilientes porque o colapso está à porta. Há quarenta anos que ele di isso, ninguém lhe escuita. O relatório prevê um colapso para o início do século 21, que é o que estamos a viver.

Porém, quase toda a gente nom vê o colapso.

Estám num estado de negaçom, porque é violento de mais.

Contodo há um monte de gente que o sabe. Este é o grande problema do nosso tempo: sabemos mas non acreditamos. Os mitos som sempre mais fortes do que os factos. O nosso mito é o crescimento infinito, a tecno-ciência que domina a natureza. Se batemos com um fato que nom encaixa nesses mitos deformamo-lo até ele encaixar. Por exemplo dizemos que vamos encontrar novas energias.

É por isso que neste livro estamos no campo do imaginário, que é muito mais forte do que os factos, e estrutura a maneira de dar sentido ao mundo. Dizemos que a utopia mudou de direcçom: os utopistas som aqueles que hoje acreditam podermos continuar como antes.
Aceitar o colapso é como aceitar a morte de alguém próximo. Temos de ultrapassar as fases do luto: negaçom, negociaçom, raiva, tristeza e aceitaçom. Muita gente ainda esta na fase de negaçom, mas também há pessoas nas fases de tristeza e de raiva. E há alguns que estám na alegria, porque eles já atingírom a fase de aceitaçom.

No final do ano vai se desenvolver umha grande conferência sobre o clima em Paris. Nom é esta a prova de que as nossas elites políticas já nom negam o colapso e procuram soluções?

Nom, acho que os políticos nom acreditam nisso. É bom sentarem-se ao redor da mesa para falarem sobre o clima, isto tem polo menos umha virtude pedagógica. Mas falar de soluções, isso é doentio. Deixa a porta aberta aos tecno-óptimistas, a gozarem de impaciência coa geoengenharia. E impede perceber-se de que as mudanças climáticas, mesmo que todo se pare de repente, já é tarde demais, já som imparáveis.

Mas é possível limitar os danos, para isso estám bem as negociações. Devemos aproveitar que hoje nom há nengum grande conflito internacional, é o momento perfeito para as negociações.

Que outras cousas se podem fazer a nível político para lidar com o colapso?

É umha questom paradoxal, se alguém a nível político começar a falar em colapso vai criar pânico nos mercados financeiros, o que provocaria a auto-realizaçom do colapso. Provocando o que se queria evitar.

Porém, podemos actuar no plano micro-político. Com o colapso, as macro-estructuras vam sofrer. Voltaremos a sociedades muito mais locais. O movimento da transiçom está a devolver o poder a gente a nível municipal. Esta é a escala que permite passar à acçom rapidamente.

Considera que para descrever o colapso, os factos científicos nom som suficientes. É necessário também intuir o que nos vem ai. Aqueles que apresentam alternativas, som os que tenhem esta intuiçom?

Em muitos casos sim. Há milhões de pessoas no mundo que já estám no mundo pós-petróleo, pós-colapso: o mundo de depois.

O problema é que se nom olhamos ao través dos óculos da transiçom, nom vemos essas iniciativas. Nom entendemos por que esse camponês recuperou a tracçom animal. Mas, em 20 anos, a agricultura industrial terá entrado em colapso e todo o mundo utilizará tracçom animal.

Fai falta começarmos a transiçom, é umha oportunidade para mudar o mundo. Isto significa construirmos “redes para tempos difíceis”. É para reencontrar a ligaçom com os outros, com a natureza, com nós mesmos. É aceitar a interdependência de todos os seres. Quando umha civilizaçom entra em colapso, os edifícios podem ruir, mas ficam os laços humanos.

Com que se vai parecer esse mundo de depois, esse mundo em transiçom?

Nom me cabe a mim responder a esta pergunta. O que damos neste livro som ferramentas para que, com a sua imaginaçom, o leitor possa forjar o seu mundo de depois. Vai ser diferente dum país para outro, dumha pessoa para outra, é o mosaico do colapso. Nom sei se haverá umha grande reacçom colectiva que permita atenuar os seus efeitos, ou se vamos em direcçom a um mundo com mais guerras, fames e catástrofes. Mas sei que há um grande caminho interior a percorrer, que já começamos e somos muitos.

Aqui estamos na Aldeia dos buxos (Hameaus des buis), no departamento de Ardèche. Ter escolhido morar aqui, é umha maneira de antecipar o colapso?

Eu gostaria de dizer nom, mas, de facto devo confessar que no fundo, fiz isso para deixar a cidade, porque sinto que na cidade será cada vez mais difícil. Já começou um grande êxodo urbano, cheio de rapaziada, de neo-rurais, de nimacultores –que nom procedem do mundo agrícola-.

E a transiçom, como a iniciárom aqui?

Aqui, na Aldeia dos buxos, nom somos totalmente autónomos em energia, alimentaçom, etc. Quando cheguei, fiz a minha conferência e isso provocou um desses momentos “Oh meu Deus”. Encetamos os trabalhos para sermos autônomos em água e alimentaçom. Pensamos que será preciso termos cavalos para nos desligar do automóvel.

Para mim, a transiçom é a história dumha grande desconexom do sistema industrial. Há que desconectar-se antes de ele colapsar para evitar que nós arraste. Porque de momento, se todo colapsa um está morto: eu nom sei viver sem carro e sem supermercado.

Como todo pode entrar em colapso. Pequeno manual de colapsologia para uso das gerações actuais, de Pablo Servigne e Raphael Stevens, Ed. Le Seuil, 304 p., 19 €

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