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Julio Cortázar: Fragmentos para uma ode aos deuses do século

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(Trecho de um poema de Lonstein, uma das personagens do Libro de Manuel (1973) de Julio Cortázar. Tradução: Carlos Calvo Varela.)

Cartões para alimentar um IBM

Á beira das rotas
detenha-se
saude-os
ofereça libações
(traveler’s cheque are welcome)

AZUR
SHELL MEX
TOTAL
ESSO BP YPF
ROYAL DUTCH SUPERCORTEMAGGIORE

A sua potência é o estrépito, o vôo, a blitzkrieg.
Oferta-se-lhes sangue, mulheres despidas, estilográficas, Diner’s,
Club cards, prazeres de week-end, adolescentes aolheirosos, poetas
bolsados (‘creative writing’), giras de conferências, planos
Camelot, cada senador comprado vale por um ano de indulgência, etc.

As terminais à beira das rotas
santuários
snack-bars e mijadeiros
os seus lingam fláccidos que o sacerdote de uniforme azul e gorra com viseira
levanta e põe no orificio do SEU CARRO, e você mirão que ainda paga
VINTE LITROS OS PNEUS A ÁGUA O PARABRISAS
venite adoremus
hoc signo vinces
SUPER: o mais seguro
          PONHA UM TIGRE NO SEU MOTOR
          PONHA O LINGAM DO DEUS
O seu templo cheira a lume
          TOTAL AZUR BP SHELL MEX
O seu templo cheira a sangue
          ELF ESSO ROYAL DUTCH

Deuses maiores (omitem-se os inomináveis, os menores, os
paredros, os acompanhantes, os dobres, os servidores vicários); o culto dos
deuses maiores é público, fedorento e estrepitoso, apresenta-se como
Positivo, como Festa, como Liberdade. Um dia sem deuses maiores é
a paralisia de uma nação de homens; uma semana sem deuses
é a morte de uma nação de homens. Os deuses maiores são os
mais recentes, ainda não se sabe se ficarão ou abandonarão os
seus adoradores. À diferença de Buda ou Cristo são um problema,
uma incertidão; convén adorá-los afebradamente, pôr um tigre
no motor, pedir a máxima quantidade, encher os tanques com o
seu frio, desdenhoso orgasmo: olhar continua a ser grátis até
nova orden, mas também não é certeza. Os teólogos
consultam-se. Onde reside o sentido oculto dos textos sagrados?
Ponha um tigre no seu motor: Apocalipse iminente? Abadonarão-nos
um dia os deuses maiores? (Cf. Kavafis).

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